segunda-feira, 22 de agosto de 2016

estação autodrómo
dez paradas pro meu coração
sossegar ou se entregar
ao teu destino.
fui de encontro à estrela
numa noite nublada

Alexandre Rocatto
Templo perdido onde moram os natais

numa mesa de bar
se desfaz um castelo.
dança-se quadrilha,
jeito de gostar do próximo
e o próximo ao próximo,
e o próximo ao próximo,
do amor distanciando
e eu distante vivendo.
como esse trem,
comboio metálico lotado de solidão,
flutua no instante de ferro.
do calor humano,
sabe-se só quando o óculos
fica embaçado,
com todo tipo de hálito,
que embala este minotauro urbano.
as dez estações
[a palavra sempre me deu a vertigem de quase faltar o ar.
fria noite não sintoniza,
nem uma parada,
ou coração para descolar:
a alma do corpo,
o corpo dos ombros,
os ombros se deram.
pacíficos ao moedor de sonhos
de uma grande corporação.
sem chá para brindar o viaduto,
ou cachaça que soubera o Benedito,
cálices oferecidos vazios
aos lábios chocados
que em vão calaram.
e o seu teu suspiro,
final sem ponto,
me soou amargo,
já leve ressequido.
as estações,
gente também fica no inverno,
gente há que inventa ocasião
para celebrar a vida.
e eu cerebral
não pedi um beijo,
me afoguei no se não.
um velinho simpático,
poderia ser meu pai,
atirou-se, rolando,
escada abaixo,
com seu saco vermelho às costas,
acreditando em espírito fora de época,
acreditando ser Noel,
ninguém achou-o estranho.
aborreceu-se em perder a conexão,
poderia ter ficado no bar,
construindo um castelo com cartas
que ninguém mais lê.
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agora a tarde

encontrei um homem,
um malabarista em silêncio
sem saber se equilibrar.
é só alguém de óculos
que toma de permuta uma vida
por quase um século.
não é o mesmo que a pele habita,
o lobo é até melhor que o cordeiro.
o homem fica gigante
quando, as vezes, pequeno.
a multidão, a inútil multidão.

sentindo-se inválido,
acima de zero, por debaixo dos panos,
nada mais além
nem seu melhor olhar de desprezo,
apressa alguém cujo tempo
inaugura na certeza um porém.

lírico, até o amor
tem medida
Alexandre Rocatto, Nada Mais Além

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014


Lázaro 2012
1.
Das trevas enxergou a luz/ paisagem de retorno/ num domingo em que o palhaço retornou aos palcos/ o primoroso creme era o crime/ desembarca de um avião de reminiscências/ pobre bárbaro, faleceu engasgado com bolacha de água e sal/ Lázaro, o Piolho, o Enxada, o Guarda-roupa, o Pescoço, o Telha Verde/ Abrindo a porteira que encerrava o Hades/ Roudine das privações/ iniciava.
2.
Vigiado por olhos estadistas/ Roudine caminha, muros altos, colinas/ Peso de sentenças no peito, caminha/ Livre, o mundo por revistar/ á frente, lance de dados/ corredores infinitos e ruas vibrando entranhas/ Liberdade, óleo disel, ônibus público/ pra trás, nas selas, gemidos inexprimíveis.
3.
- Vai pra onde, moço?
- Dirige esse trem, eu só desço no final!

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Eu só tenho um olho

Eu queria ser escritor. Eu sempre quis ser escritor, desde os tempos que eu falava como criança, tinha voz de criança e fazia coisas de criança e nenhuma peluginha no rosto. Por querer ser escritor, procurei alimentar-me do néctar das ideias que é a leitura: de A a Zinco. “De referências em referências, o pós-moderno compõe suas demências.
Nuvens escuras anunciam o fim da tarde fria. Nem vontade de escrever, nem saudade de um sonho antigo. Réquiem de reminiscências. A cabeça dói, meus ombros pesam uma tonelada. Melhor que chamar um grampeador de filho.
Há dias de calor tremendo e palavras saborosas. Eita vontade de ouvir a chuva cair no telhado. Hoje vai até mais tarde, então não tenha pressa, meu amor. Procure o buraco no muro. Eu só tenho um olho. Quando a gente só tem um olho, a gente olha com o outro. Por que em terra de gente ignorante quem tem ideias é mendigo. Porque em terra de caolho quem tem um olho é mais um. A gente vai desconstruindo, coisas do sistema, as palavras, os poemas, a gente vai diluindo tudo e mistura com lixo tóxico. A entranha dos sensabores. Prazer em não fazer sentido.
Quero mesmo é entregar-me à loucura. Saber que quem me ouve, ouve porque gosta mesmo e é sem juízo. Já não tenho mais aquela vaidade egoísta e assumo o risco. Nem medo mais em parecer ridículo como são piegas as cartas de amor. Podemos falar de amor mesmo sem ter ninguém para amar porque amor é entidade e não mero sentimento. Se eu só tenho um olho, eu sou caolho? Sou digno da visão tridimensional.
Realidade virtual, roubaram-lhe o fôlego e você ficou plasmático: O que os olhos não vêem o coração não sente. Atuo entre bytes, mas queria ver meu livro publicado, ser escritor, antiquado, porque isso é concreto...

quinta-feira, 16 de agosto de 2012


Lázaro – 2012

                Lázaro das trevas enxergou a luz. Era a paisagem para o retorno. Foi num domingo que o palhaço retornou aos palcos porque para ele o primoroso creme era o crime, desembarque de seu avião de reminiscências... Pode um bárbaro morrer engasgado com bolacha de água e sal? Era Lázaro, o Piolho, o Enxada, o Guarda-Roupa, o Pescoço, o Telha Verde, abrindo a porteira que encerrava o Hades, e o iniciava também.

                Vigiado por olhos estadistas, o homem caminha, muros altos, colinas. Sente o peso das sentenças no peito, caminha. Lázaro livre, o mundo por revisitar. Logo a frente, o lance final de dados, corredores infinitos, a rua já vibrava suas entranhas. O som da liberdade é o ruído do motor a disel do ônibus público. Eis o que mais o atormentava no presídio: gemidos inexprimíveis.

                Ninguém por dar-se falta entre os muros, ninguém fora, um universo de solidão. Lázaro não vê o que ninguém vê, rostos a se reconhecer. Respira fundo, projeta-se para fora abortado. Passou um leve desejo de voltar, mas o sistema não suporta, sua preda fria já comportava outro moribundo, e outro, e outro, mais outro. E se fosse Raimundo não seria uma rima, mas uma constatação.

                ̶  Vai para onde, moço?

                ̶  Dirige esse trem, que eu só desço no final!

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O Risco do Risca-Faca – Alexandre Rocatto

Correria na feira, pernas para quem te quer. O cadeirante tirou forças dos mitos, minotauro urbano ladeira abaixo. Mocinha, peitinho de pêra, esqueceu de empinar a bundinha pro Maneco da uva e correu também. Reinvenção do jagunço esquecido, o sangue de Jesus de poder atrás do muro da creche. A criança perdeu o brinquedo, trezentas vezes pisoteado no asfalto duro. Ai, meu Deus! A mãe segura mais forte a mão do menino, trote-galope, no que o catarro parou na camisetinha ordinária.

Olha o peixe! Leva o peixe, minha gente! Virou corre, gente! Corre, gente! Pernas de minotauro, uva também no chão duro. Por Deus! Meu Deus! Criançada e o jagunço, deu soluço e o sem ar...

Tiros na feira, as feras de um agreste perdido, ou Minas? Sertão, grande. Zé, ou Nuno? Não se sabe quem atirou primeiro. A voz do povo é a voz do povo: só crê quem vê. O resto, lero-lero.